quarta-feira, 22 de julho de 2015

Sob um som estranhamente familiar

Luiza da Silva Gomes dos Santos
Amélia estava sentada no sofá à beira da janela da sala quando ouviu as primeiras notas de Clair de Lune vindas de um piano. Talvez o som viesse do apartamento ao lado. Sentou-se no chão com a cabeça encostada na porta para ouvir melhor de onde aquela delicadeza surgia. O som era claro, firme e delicado ao mesmo tempo. Parecia o som de pequenas pegadas nas nuvens. Algo tão bom que talvez até Debussy sentisse inveja de tamanha doçura. Tocava e repetia. Quando se deu por conta as horas já haviam passado aos montes.
A noite chegou e Clair de Lune ainda tocava como antes. Soava pelos corredores, pela sala, por Amélia. Parecia que tocavam exclusivamente para ela. Como um concerto exclusivo em sua sala. As notas eram tão evidentes e contagiantes que tomaram conta de Amélia, pareciam grudadas a seus ouvidos. Aquele som era estranhamente familiar. Ela já havia ouvido essa música muitas outras vezes antes.
Sem pensar, abriu a porta e, no escuro do corredor, Amélia perseguiu o som até se dar conta de que as notas não saíam de nenhum apartamento ao lado ou próximo. O som a chamava, era como se as notas pedissem por ela, falassem seu nome. Quanto mais ela se distanciava de sua casa, mais baixo era o volume. Quem sabe em outro prédio? Amélia decidiu voltar. Enquanto subia as escadas se deu por conta que de a música vinha de seu apartamento. Subiu as escadas correndo, com medo.
Com violência abriu a porta de seu apartamento, a música parou de repente. 
A cada degrau que subia a música aumentava e aquele barulho que antes era doce e tranquilo aos poucos a irritava e amedrontava mais. Com violência abriu a porta de seu apartamento, a música parou de repente. A teoria de que a música partia de seu lugar se concretizou ao puxar a porta do quarto. Havia um piano parado no meio de seu parto. Fechado, parado, ninguém o tocava. Apenas a música que saía dele por horas ainda continuava ali.

Sentou-se à frente do piano e o abriu. Enquanto seus dedos percorriam sem parar pelo marfim, Amélia deu-se conta de que quem tocava a música era ela mesma. Ao mesmo tempo em que descobria sua loucura pela partitura de Clair de Lune, ela esquecia de tudo que acontecia em um misto de medo e desatino. Sua cabeça dava voltas e voltas e aos poucos sua consciência e sua vida se perdiam na tranquilidade e na loucura que a música de Debussy havia dado a ela. 

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