Milena Wittekind
Alfredo era jovem, filho de italianos. Desde criança viu seu
avô manusear um grande instrumento musical, de forte calibre e de notas
marcantes. No colo de seu pai com açúcar, deslumbrava-se ao descobrir as novas
vibrações que a “grande caixa preta” lhe passava. A cada sorriso e a cada
arrepio, sentia a saudade de seus pais ser atenuada. Alfredo foi enviado, no
calor da segunda guerra, ao conforto do lar de seu avô Camilo, no Brasil.
Alfredo não era como os meninos de sua idade. Preferia o
conforto do lar ao futebol na calçada. Preferia a janela. Preferia observar.
Educado em casa, não teve muitas possibilidades de se comunicar com o mundo lá
fora. Na perna de seu avô, que alternava a cada troca de pedal, Alfredo
acompanhava com doçura as vibrações que sentia em seu peito. Aos poucos, Camilo
fora ensinando aquele menino franzino e introspectivo a se soltar, a tocar o
piano como se já o soubesse. Alfredo foi doutrinado por seu avô a tocar através
de cores. Ritmos calmos representavam cores mansas, ritmos alegres
correspondiam a cores vivas e ritmos trágicos eram vinculados a tons escuros e acinzentados.
Através das cores, Alfredo passou a sentir o mundo de
maneira singular. Com passar do tempo, tocava cores vivas, como amarelo,
vermelho e laranja, seus ritmos preferidos. A cada cor tocada uma nova descoberta. Camilo deixou
um importante legado para Alfredo. Não que o avô fosse detentor de grande
propriedade, mas ensinou o neto a sentir.
Alfredo foi doutrinado por seu avô a tocar através de cores. Ritmos calmos representavam cores mansas, ritmos alegres correspondiam a cores vivas e ritmos trágicos eram vinculados a tons escuros e acinzentados.
Camilo faleceu poucos meses após descobrir que seus filhos
já haviam falecido em decorrência da guerra, com Alfredo já moço. Ainda jovem,
Alfredo passou a tocar cinza. Com certeza a cor que mais lhe doía tocar. A
visão era embaraça pelas lágrimas. A respiração saía do controle, assim como as mãos, trêmulas, diante da
lembrança de seu velho mentor.
A vizinhança, ciente do falecimento de Camilo, estranhava ao
escutar as pesadas notas que saíam de seu piano. Uns diziam que era o espírito
de seu velho vizinho que lançava as notas no instrumento. Estes não estavam de
todo errado, pois Camilo agora vivia nas cores das notas de Alfredo.
Jovem prodígio, o rapaz logo virou notícia local. Ainda que
depressivo, encantava os ouvidos de quem lhe investia atenção. A cada aplauso, também sentia cores. Em aplauso prateados,
sentia a perplexidade. Em aplausos dourados, sentia a admiração transmitida
pelo ouvinte. Com o passar dos anos, Alfredo reaprendeu a tocar amarelo,
laranja e vermelho, suas cores anteriormente favoritas. Alfredo tornou-se
renomado pianista, tendo apresentando-se nos quatro cantos do globo.
Ao fim, Alfredo, surdo, descobriu que tinha o dom de tocar
cores. Descobriu que, mesmo não sendo igual aos demais, era capaz de se
comunicar com as pessoas e ajudá-las a se comunicar entre si. Em sua lápide: “o pianista que
tocava cores”.
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