quarta-feira, 22 de julho de 2015

O amor supera tudo

Kelvin Rodrigo Carvalho
“Nada detém a inexorável marcha do tempo." Ouvi essa frase quando tinha 12 anos, nunca mais esqueci. Contrariando alguns filósofos, que recomendam que se viva o agora, hoje quero lembrar o passado, até porque, aos 69 anos, a nostalgia é algo natural.
Nasci no pós-guerra, naquela explosão de nascimentos na qual os soldados tiveram participação direta. Minha mãe se apaixonou por um deles, pracinha da Força Expedicionária Brasileira. Foi ele quem me disse a frase acima quando já estava se despedindo desse mundo. Meu pai, apesar da pouca convivência, me ensinou muito, até hoje sigo seus exemplos. Um deles é ser colorado, não que seja propriamente um exemplo, mas o que essa escolha me trouxe é algo que quero compartilhar com vocês.
Era 1975, eu estava embriagado e extasiado comemorando o gol do Don Elias Figueroa. No rádio ouvia o Haroldo de Souza gritando: Colorado! O grande campeão do Brasil! Na euforia, resolvi correr pela Andradas enrolado numa bandeira vermelha. Acabei tropeçando e beijando um muro. Fui recuperando a consciência ao som de uma voz muito doce, de nuances bem definidas, diria que se anjos tivessem voz seria algo muito semelhante àquilo. Ainda zonzo, pude reparar no brilho do seu rosto. A pele iluminada por um raio de sol que se despedia no horizonte, hoje até penso que devia ser o mesmo do “gol iluminado”. Ela era linda. Levei alguns minutos até que pudesse me recompor e finalmente balbuciar um obrigado. A resposta que veio após o meu agradecimento foi um sorriso. Me apaixonei. Entretanto, antes que pudesse perguntar seu nome duas amigas pegaram-na pelo braço e entraram em um carro, pareciam atrasadas para algo.
Era 1975, eu estava embriagado e extasiado comemorando o gol do Don Elias Figueroa.
A vida seguiu, o tempo passou e quatro anos mais tarde lá estava eu no Beira-Rio. Dessa vez, diferente de 75 e 76, quis ver ao vivo a final do campeonato. Foi incrível! Saí do estádio e fui para um restaurante comemorar com os amigos, em nada lembrava o maluco de alguns anos antes. Escolhemos uma mesa no canto, tinha uma parede de vidro muito bonita, dava para ver todo o movimento da rua, toda a vida que por ali passava. Entre uma e outra taça de vinho fomos lembrando daquele fantástico time dos anos 70 que ganhou tudo. Em determinado ponto da conversa o assunto foi contar onde havíamos comemorados os feitos relevantes de anos anteriores. Naturalmente lembrei da minha bela. Antes que eu pudesse terminar a minha história um som muito agradável ganhou os ares daquele local. Tamanha era a pureza que ficamos em silêncio, ninguém ousou interromper. Levantei-me e fui em direção à origem da melodia que se escondia atrás de uma coluna. Quando finalmente consegui enxergar do que se tratava, quase caí. Era ela, por Deus, era ela.
O destino tratou de nos aproximar mais uma vez e em circunstâncias tão parecidas. Eu estava às suas costas, ela não tinha como me ver, mas eu, em compensação, podia observar cada detalhe de seu corpo. Seus dedos eram ágeis, percorriam as teclas de um imponente piano que parecia sorrir ao ser acariciado por aquelas mãos. Assim que a música terminou não consegui conter a vontade. Me aproximei e me apresentei, depois de alguns segundos, que mais pareceram anos, ela reconheceu-me, levantou, me abraçou e me surpreendeu com um beijo. Inesquecível. Para minha felicidade ela também guardara a minha imagem e o sentimento de amor à primeira vista. Algo muito forte havia nos ligado naquela tarde de dezembro de 75 e não foi o muro, pelo contrário, foi algo que não serviu de barreira e sim de ligação.

Minha mulher era e é uma grande pianista, por inúmeras vezes tocou em bares e locais que eu frequentei, mas foi naquela noite de 79, antes que a década acabasse, que fomos nos reencontrar. Casamos, tivemos duas filhas, lindas, e agora estamos a envelhecer juntos. Às vezes me pego pensando na frase de meu pai, que citei a vocês lá no início, e tenho uma enorme vontade de voltar no tempo só para dizer a ele: pai, há sim algo que detém o tempo, o amor. Esse é eterno!

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