Larissa Batista Dorneles
Nunca
fui um cara propenso ao drama. Na realidade, nem filmes desse gênero eu
conseguia aguentar por mais de alguns minutos. Porém, isso foi antes do meu
apocalipse particular. Diferente do drama, bebidas com alto teor alcoólico
sempre prenderam minha atenção. Aquela era a minha noite, eu estava extasiado.
Não ouvi quando ela me mandou parar. Não vi o carro vindo em nossa direção. Só
ouvi o som da colisão, o qual sempre escuto antes de cair no sono.
Como
uma lembrança fúnebre, uma ilusão necessária, deixei os móveis no mesmo lugar
desde que ela foi embora. Não só os móveis. A colcha de retalhos, horrorosa na
minha opinião, seguia enfeitando a cama todos os dias, cama essa que insisto em
arrumar, mesmo não saindo de casa há meses. O imóvel parece que parou no tempo,
esquecido, assim como eu. Nós primeiros dias, escutava o telefone tocar com
frequência, não tinha vontade de atender. Agora, parece que até minha mãe
esqueceu de mim. Melhor desse jeito.
Como uma lembrança fúnebre, uma ilusão necessária, deixei os móveis no mesmo lugar desde que ela foi embora
Desde o
acidente, há três meses, a minha rotina era tão sem graça. Se a culpa não me
matasse, com toda a certeza o tédio o faria. Passava o dia todo na cama, comia
pouco. À noite, abria a janela da frente e ficava na expectativa que, assim
como na estória de Poe, um corvo entrasse por ela e selasse o meu destino com o
seu “nunca mais”. Claro, isso nunca aconteceu. Não de verdade.
Há
semanas, uma ideia se tornava cada vez mais atraente. Em uma gaveta da cozinha,
uma combinação de remédios era muito peculiar. Lembranças dos tempos de
depressão. Misturada à garrafa de uísque que guardava com tanto carinho, seria
um belo jeito de sair de cena. Tinha as armas e a vontade, mas a coragem
parecia faltar. Em uma quinta-feira, dia 18 junho, resolvi colocar meu plano em
prática.
Peguei a
garrafa, os antidepressivos e uma foto dela. Segui para o meu quarto, nosso
quarto, observando cada detalhe da casa até chegar lá. Sem demora, tomei todos
os comprimidos de Alprazolam e Clonazepam que estavam nas caixas, seguido de um
longo gole de uísque. Deveria servir. Deitei na cama. Em minutos, uma moleza
dominava meu corpo, enquanto observava a foto dela. Minha noiva. E então tudo
ficou escuro e quieto.
Acordei
com o som suave do piano da sala, não o ouvia desde o acidente. Ela havia
ganhado da avó, uma grande musicista. A melodia era inconfundível, Nuvole
Bianche do italiano Ludovico Einaudi, a preferida dela. Levantei-me
em um salto. Corri até sala e constatei que minha mente pregava uma das peças
mais cruéis dos últimos meses. Junto ao piano estava minha noiva morta, tocando
a música que tanto adorava. Seus traços pareciam tão tristes. O rosto molhado
ainda ostentava alguns cortes. O cabelo estava mais curto, na altura dos
ombros.
Corri até sala e constatei que minha mente pregava uma das peças mais cruéis dos últimos meses. Junto ao piano estava minha noiva morta, tocando a música que tanto adorava
Gritei
seu nome. Ela não se mexeu. Era mais uma prova de que aquilo era uma ilusão.
Após terminar a música, ela andou pela casa. Pegava alguns objetos e guardava
em uma caixa de papelão. E eu ali sentado no sofá, acho que por horas a fio,
observando minha noiva passar da sala para o quarto e demais peças da casa.
Ao
terminar, ela olhou em volta, mais lágrimas molhavam seu rosto. Pegou a caixa e
se dirigiu a porta, e eu a segui.
Era uma tarde chuvosa e o vento soprava forte fora das paredes do meu
santuário. Ela abriu a porta e fechou o casaco. Já eu não senti o ar gelado.
Ela saiu e quando tentei passar pelo batente, foi como se uma parede imaginária
me prendesse. Bati com todas as minhas forças contra ela, mas nada. Eu estava
preso.
E
foi aí que percebi. Diferente dela, eu não pertencia mais a lugar nenhum. Pelo
menos a culpa havia sumido, porém a solidão continuaria por um bom tempo. Minha
única opção era esperar a próxima visita dela e revisar minha afirmação sobre o
drama. Ao final, nenhum de nós foi embora, mas só ela seguiria em frente.
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